Se você é daquelas pessoas que gosta que as coisas sejam preto no branco talvez visual kei não seja o melhor estilo pra você, uma das principais características do Visual Kei é que, como no Brasil, não há regra. Apesar disso, o estilo tem um sem número de vertentes, gêneros e subgêneros, então, sem dúvida tem pelo menos um estilo pra que você e todo mundo possa curtir! Aqui no Suco já explicamos O que é Visual Kei (e porque você não deve tentar classificá-lo), lá fazemos uma breve menção a alguns subgêneros desse nicho que pode ser tão grande, e agora, convidamos você para viajar conosco por esse espaço da cultura musical japonesa e conhecer melhor alguns dos principais subgêneros que o Visual Kei tem a oferecer e, quem sabe, ajudar você a encontrar aquele que pode ser seu favorito!

Pra começar logo com os dois pés na porta traremos um dos sub-estilos favoritos desta que vos escreve, os chamado eroguro kei. Porém, em vez de simplesmente resumir o que o subgênero faz atualmente dentro do Visual Kei, vamos entender um pouco sobre a arte e movimento eroguro fora do VK para abordar o estilo por completo. E em seguida falaremos um pouco sobre o angura kei.

E vamos de contexto histórico:

A começar pela etimologia, “eroguro” é uma contração adaptada para a língua japonesa de erotic and grotesque (Lit. Erótico e grotesco), tanto eroguro quanto eroguro nansensu (Lit. Absurdo erótico e grotesco) se referem a um conjunto de tendências culturais que surgiram aproximadamente na década de 20, no Japão. Na época, o eroguro se fazia presente principalmente em obras escritas como em contos e romances, e teve seu boom com obras de autores como Edogawa Ranpo e Yumeno Kyusaku no começo dos anos 30.

Houve um caso muito importante para o que chamaremos de “cultura eroguro” pois ele se tornou muito popular no Japão na década de 30. Em Maio de 1936, Sada Abe, geisha e prostituta, asfixiou eroticamente seu amante, Kichizo Ishida, até a morte e então cortou fora seu pênis e testículos. O caso foi material pra diversas obras que certamente fomentaram o eroguro, tendo sido vastamente documentado, serviu de inspiração para livros, foi registrado em filmes como “Império dos sentidos” e músicas, tanto na época, quanto num passado mais recente.

Quando o Japão ainda era um Império, todas as principais obras eram fortemente monitoradas e, consequentemente, muitas eram censuradas, vários livros de temática eroguro foram banidos e tiveram que circular clandestinamente, até que, após o final da Segunda Guerra Mundial esses livros foram para a Biblioteca Nacional do Regime.

Mas é claro que a censura não impedia os artistas de produzir esse conteúdo mesmo assim, isso significa que muitas dessas obras circulavam de forma clandestina em clubes secretos de compra, e que a situação gerava técnicas para evitar a censura do Império, como editoras que se autocensuravam (a fim de conseguir evitar a censura do governo e conseguir editar as obras pra que fossem publicadas), etc. A título de exemplo, houve uma técnica muito interessante que as editoras usaram para de driblar a censura e conseguir vender obras eroguro: os “lançamentos de guerrilha”, onde quase todas as cópias dos livros eram vendidas antes de serem enviadas para o ministério para serem revisadas, algumas cópias eram mantidas para, caso a obra fosse censurada, o ministério responsável pela censura tivesse o que recolher (aqui no Brasil chamamos isso de “meter o louco”).

“Ah, mas e a música?”. Como na época não existiam leis específicas para regular mídia de áudio, acabou que música erótica se tornou bastante popular. Esse tipo de censura começou em 1934 mas só começou a ser realmente rígida em 1936, época do caso Sada Abe e do lançamento de “wasurecha iya yo” (???????) por Hamako Watanabe, que foi uma das primeiras obras musicais a sofrer censura tendo a sua reprodução proibida sob o argumento de que era “erótica demais, perturbava a lei e ordem pública e prejudicava os costumes”.

O dia é uma fantasia, a noite é um sonho
O sangue quente nesse peito corre apenas por você
fazendo barulho
Essa é a sensação que tenho
Ei, não se esqueça, não se esqueça

“wasurecha iya yo” (???????) por Hamako Watanabe.

Depois disso, com o estouro da Segunda Guerra Sino-Japonesa e da Segunda Guerra Mundial a censura foi cada vez maior e as editoras foram perdendo a força para combater a repressão, tornando material eroguro nansensu cada vez mais underground, o que fez com que os materiais do gênero diminuíssem consideravelmente, tendo seu revival somente após o fim das guerras (após 1945), já muito enfraquecido pois continuavam a sofrer com a restrição. Foi só depois dos anos 70 que houve relaxamento nas leis que lidavam com mídia obscena e que o eroguro se fez livre da censura.

Tá, mas e o eroguro no Visual Kei?

Eroguro se manifesta através de diversas formas de arte e, como visual kei é um estilo feito pra chocar, é claro que o eroguro chegaria nele em algum momento. O ponto comum entre as obras desse estilo se dá no erotismo misturado a bizarrice, uma obra considerada eroguro geralmente terá conteúdo erótico misturado a situações e coisas grotescas, pode haver toques de horror, gore e até um humor sádico, mas é claro que não existe uma regra que diga que para uma coisa ser eroguro ela precisa ter todos esses elementos, são apenas alguns dos pontos mais comuns.

No Visual Kei, dificilmente você verá uma banda dizer “nós somos uma banda do subgênero X“, pois essas nomenclaturas geralmente são criadas depois de alguma banda se expressar de determinada forma. Em geral, esses subgêneros são usadas somente como TAG pra listar e relacionar bandas que tem coisas em comum e facilitar a vida dos fãs de determinado estilo. Ou seja, os subgêneros do Visual Kei são, além de uma curiosidade, uma ferramenta para que você consiga filtrar os estilos que mais gosta, e isso significa que eles não são determinantes e nem regras que as bandas precisam seguir!

Vale ressaltar que, até nos dias de hoje, abordar sexo de forma explícita ainda é um tabu para muitas pessoas, portanto somente a menção de sexualidade, dependendo da forma como ela for explorada, já pode ser considerada eroguro em alguns casos para algumas pessoas.

Pois bem, como tudo que toca, o Visual Kei tornou o eroguro uma coisa muito característica dele. Como já dissemos em outra oportunidade, o fato de uma banda ser eroguro não define o gênero musical que ela toca, somente determina os temas e o estilo que a banda usará para abordar certos assuntos. Sequer define o estilo da banda em toda a sua discografia, existem bandas como Dir en Grey que, apesar de gerar muita discussão quando comparadas ou incluídas ao eroguro (tanto pelos fãs da banda quanto pelos fãs do estilo eroguro), tem vários trabalhos que podem ser relacionados por fazer uso dessa estética incorporada ao seu trabalho como Tsumi to batsu, Increase Blue, Agitated screams of maggots, shokubeni, entre tantas outras. Veja AQUI um exemplo.

Uma das bandas mais relacionadas ao subgênero é a cali?gari, e ela também é uma das primeiras bandas que aparecem com esse estilo. cali?gari foi formada em 1993 e acabou em 2003, voltou as atividades em 2009 e permanece ativa até o momento em que esse artigo está sendo escrito (2020). O nome da banda foi dado em homenagem ao filme de horror alemão dos anos 20 “O Gabinete do Doutor Caligari”.

cali?gari já explorou toda uma variedade de gêneros musicais, começando influenciados pelo post-punk, mas trabalhando também com beat rock, jazz, punk, baladas, mais pra frente explorou também alternativo e rock progressivo, além de emo, eletrônico e folk. Muitos de seus trabalhos buscam contrastes extremos para expressar temas grotescos (ou de forma grotesca) como o amor por cadáveres e canibalismo usando ritmos pop, com letras e melodias alegres. Em suas letras e videos eles usam bastante um humor ácido e mórbido.

Os rapazes do cali?gari são considerados por muitas pessoas como os precursores desse tipo de composição que usa humor de gosto duvidoso nas músicas. Tal como nos memes que vemos nas redes sociais sobre depressão e situações difíceis que encaramos todos os dias, eles usam alguns trocadilhos e piadocas para expressar certos dissabores da vida que somados aos ritmos animados das melodias pode, com certeza, ser chamado de absurdo!

Clipe recente do cali?gari que mostra uma mulher que aparentemente matou o namorado.

Vou citar também o combo gótico Aliene Ma’riage (1996-2001), Missalina Rei (1997-2000) e Deflina Ma’riage (2006-2007), bandas que compartilharam membros ao longo do curto período de atividade que tiveram. Apesar de não serem autodeclarados especificamente como eroguro (e não serem tão relacionados assim por fãs) também podem ser incluídos devido o uso das estéticas do movimento em suas composições e visuais (principalmente composições).

Atualmente o Kyouka, que foi vocalista do Aliene Ma’riage e Deflina Ma’riage atua no Insanity Injection, banda gótica bem pesadinha com fortes influências eroguro nas letras e em alguns visuais.

Apesar de que ao analisar a banda você talvez não veja muitos elementos eróticos ou grotescos, também vale mencionar a MERRY, cujos membros já disseram em entrevista ter sim influência do estilo. MERRY é uma banda que explora gêneros como o alternativo, hard rock, alguma coisa de punk tudo isso brincando também com blues e jazz, você também vai ver uma coisa ou outra de heavy metal e baladas. Muitas vezes eles são chamados de “banda retro e eroguro” por algumas pessoas.

MERRY teve a capa de dois CDs ilustrada pelo artista, ilustrador e pintor eroguro Suehiro Maruo (vale a pena dar um google pra ver a arte desse cara). As capas em questão são dos maxi-singles lançados em 2002 “Koseiha Blend ~Junjou Jounetsu-hen~” e “Koseiha Blend ~Tasogare-hen~”, ambos com 3 faixas cada.

merry -?(fukurou)

Uma banda bastante relevante para o eroguro na atualidade é o the GALLO, que também não se autodeclara como eroguro porém exala erotismo e temas grotescos em suas músicas. The GALLO explora um cenário fixo onde eles contam casos e situações ambientadas entre os anos 20 e o final dos anos 40, no Japão Imperial. Eles usam bastante casos de decadência, sexual ou não, e também temas letárgicos e/ou melancólicos. Os visuais também despertam esse olhar grotesco e sexualizado, de uma forma que só aconteceria no visual kei. the GALLO tem uma musicalidade muito própria, a banda é conhecida pelo estilo de cantar do vocalista, carregado de vibrato.

Um dos álbuns mais populares do the GALLO é o chamado DIAVOLO, onde eles usam demônios como metáfora pra explorar o comportamento social das pessoas, suas imoralidades e obscenidades.

Álbum DIAVOLO no Spotify.

Eroguro Vs Angura

Eroguro Kei e Angura Kei podem ser semelhantes e musicalmente próximos. A diferença principal é que Eroguro se concentra no erotismo e decadência. Enquanto Angura Kei (cuja palavra “angura” vem de “underground”, que significa secreto/clandestino) se concentra em ser contra-cultural, no sentido de não se curvar para a invasão cultural americana que começou após a Segunda Guerra Mundial. Como ambos estão muito próximos (ambos underground & esquisitões) as vezes eles se misturam e se confundem, são realmente parecidos em alguns casos, mas, no geral, angura se concentra em elementos folclóricos e culturais japoneses, (e nesse caso, também pode ser chamado de ???(wafuu kei), que seria literalmente “estilo japonês”, porém a nomenclatura é muito incomum).

Tal como no eroguro, o angura não determina gênero musical, então não necessariamente todas as bandas angura terão um pé no folk como é de se esperar, esse é somente um dos pontos mais comuns. Além do mais, se uma banda angura quiser usar elementos eroguro ou vice-versa, ela pode! Isso porque angura pode ser considerado uma ramificação do chamado Kote Kei, ou “estilo tradicional”, que se refere as primeiras bandas do Visual Kei, em especial que usavam visuais mais elaborados, que também pode ser chamado de oldschool visual kei. Isso significa que as bandas Angura buscam manter suas raízes niponicas mas, aparentemente, não há regra especifica sobre como isso precisa ser feito.

Angura também nasceu como movimento separado do Visual Kei e foi incorporado posteriormente. Originalmente, angura foi um movimento relacionado especificamente ao teatro japonês dos anos 60. Basicamente, o movimento era uma forma de contra-cultura ao que estava em alta no momento. Um dos principais movimentos ao qual o angura se opunha era o movimento teatral chamado shingeki que era baseado no realismo moderno e procurava ser semelhante ao teatro ocidental moderno. O angura, por sua vez, questionava o projeto japonês moderno, dizendo que coisas estavam sendo perdidas no processo de ocidentalização e modernização.

O conceito de Angura também acabou sendo aplicado em outras formas de arte até chegar no Visual Kei, onde o sentido aplicado foi igual no teatro: ser uma contra-cultura, o que se relacionava especificamente com ser contra a ocidentalização. Por isso, é comum que bandas angura kei soem fortemente influenciadas pelo folk ou música tradicional japonesa.

Angura Vs Angura

Encontrar informação confiável sobre uma banda ser ou não ser angura é um pouco mais difícil do que sobre ser eroguro, afinal, no eroguro basta uma breve analise nas letras e postura de uma banda pra determinar se ela tem ou não tem um pézinho no estilo. O angura funciona diferente, há o estereótipo de que para ser angura precisa ser folk, mas na prática isso não é assim tão simples. Como o lance todo ao redor do termo “angura” demonstra ser sobre não soar estrangeiro, de certo que qualquer banda que tenha personalidade japonesa poderá ser comparada e incluída no estilo mesmo que não carregue um forte estereótipo como a banda Kagrra com suas vestimentas tradicionais e tantas outras bandas que usam instrumentos como o koto em suas melodias e remontam para estilos mais tradicionais.

A partir daqui surgem várias confusões, muitas pessoas debatem sobre se bandas como MUCC e heidi são angura ou não e frequentemente você verá essa TAG presente em suas biografias seguida de algum comentário questionando. O ponto é que não há conclusão final a tirar desse debate, vale repetir que os subgêneros do Visual Kei não são determinantes, portanto, não vamos gastar energia demais com esse tipo de coisa.

Já que estamos falando de confusões, vale ressaltar que o termo angura, por significar o mesmo que underground, as vezes é mal utilizado. As vezes, diz-se de qualquer banda pouco conhecida que por ela ser underground ela é angura kei, mas deixemos isso claro: angura e angura kei são coisas distintas, a palavra angura pode se referir a qualquer coisa underground e angura kei se refere especificamente ao nicho do visual kei.

Já cientes das possíveis confusões, usaremos como exemplos a classificação mais comum para bandas angura kei, que são as bandas “wafuu”, ou seja, as bandas que usam visuais tradicionais japoneses e elementos das músicas clássicas da terra do sol nascente. O primeiro exemplo de banda angura que citaremos é o Kagrra, banda de rock de 1998 que acabou em 2011. Eles se apresentavam sobre um conceito que eles mesmo chamaram de “Neo-japanesque” que, em resumo, se trata de trazer fortes elementos tradicionais japoneses para obras atuais, tanto visualmente quanto musicalmente, usando kimonos em seus visuais, instrumentos clássicos japoneses como o koto e/ou outros elementos da cultura tradicional japonesa. (será que alguém aqui já ouviu isso antes? haha)

Álbum San no Spotify

Menos conhecida, temos também Inugami CIRCUS-dan, banda ativa desde 1994 (!) com sonoridade bastante heavy metal e progressive rock, o angura se apresenta mais forte em seus visuais que consiste basicamente na vocalista vestir kimono e os outros membros roupas que lembram uniformes militares, isso misturado a um estilo meio kabuki meio gótico.

Já falamos de –???????-???? (-shintenchi kaibyaku shuudan- ZIGZAG) em uma outra oportunidade, eles também tem grande apelo no “estilo japonês”, tanto nos visuais quanto na sonoridade e letras. ZigZag tem músicas com príncipes e princesas do Japão Imperial, tem músicas tirando sarro da cena visual kei, músicas que usam do folclore japonês e também músicas que tiram lágrimas das almas mais sensíveis. Eles fazem de tudo, a sonoridade geralmente é um rock um pouco mais agitado, até um metalzinho, em algumas músicas com a incorporação de flautas e kotos e outras mais “normais” mas você vai encontrar músicas com melódicos antiquados e até guturais.

Uma das bandas anguras mais importantes da atualidade deve ser a ?? (kiryu), banda de folk metal ativa desde 2007, Kiryu trabalha com um conceito de horror japones onde suas letras trazem vários situações assustadoras aproveitando-se do folclore local, eles incorporam sons de koto, flauta, entre outros componentes tradicionais. A banda chegou a ficar em 3º lugar no ranking da Oricon na categoria Indies em 2015, com seu 13º single, “kyuubi” (??)!

Cada um dos membros da Kiryu tem uma cor própria pra representá-lo, sendo o vocalista Kurosaki Mahiro da cor roxa, o guitarrista Sakai Mitsuki vermelho, o guitarrista Kujo Takemasa verde, o baixista Ishiki Hiyori a cor rosa e o baterista Tokai Junji azul. O que mudou apenas poucas vezes durante todo seu período de atividade com a finalidade de fazer lançamentos específicos, como em kyoka suigetsu (????) cujo clipe apresentava um funeral então todos eles se vestiram de preto e muku (??) cujo título significa “pureza”, pureza essa que foi representada num visual todo branco.

MV de kyuubi da Kiryu


Ufa! Por hoje é só! O que achou de toda essa esquisitice? Vindo do Japão a gente simplesmente abraça né!? Diz pra gente, quais são os próximos subgêneros do visual kei que você quer ver aqui no SDM?