Not Me é a ponta de lança dos BLs tailandeses, uma obra que escorrega, mas se mantém viva e importante a todo momento.

Em 2020, milhares de manifestantes foram às ruas na capital da Tailândia para pedir a renúncia do governo devido as questões de corrupção, abuso de poder político e discriminação aos direitos LGBTs. Na época, a polícia reagiu com truculência, deixando dezenas de feridos. Esse episódio trouxe à tona, mais uma vez, o autoritarismo que a monarquia usa para se manter no poder do país.

De lá para cá, pouca coisa mudou, tanto que, em 2021, aconteceram mais e mais protestos. Toda essa situação, provavelmente, serviu de base para que Not Me fosse idealizado conforme uma das produções de maior investimento da empresa GMMTV. E assim foi feito, o BL estrelado por um elenco de renome chegou ao público trazendo mensagens importantes, um enredo extremamente complexo e cheio de camadas, as quais nunca haviam sido exploradas.

Enredo da obra

Black e White são irmãos gêmeos idênticos, mas com diferentes personalidades. Certo dia, Black vai parar no hospital após sofrer uma agressão que o deixou em coma. Na intenção de descobrir quem feriu gravemente o seu irmão, White resolve se passar por ele e reproduzir os seus passos diários, inclusive algumas atividades envolvendo uma gangue de garotos revoltados com a opressão do sistema em que vivem. Nessa jornada em busca de respostas, White se apaixona e se mete em várias enrascadas.

Nos primeiros episódios, somos conduzidos a uma exaustiva explicação sobre o quão forte é a conexão dos gêmeos, ao ponto de sentirem sensações físicas quando o outro sofre lesões. Essa ligação, que teria como justificativa algum fenômeno pouco elaborado no drama, acaba ficando no ar. De início, Not Me não consegue fazer com que a imersão do telespectador na sua narrativa seja tão efetiva tal qual é nos últimos episódios. Parte desse fator deve-se à falta de pungência nas cenas de ação, que ora são ensaiadas demais, soando pouco convincentes, ora são construídas sem a menor perspectiva do gênero, como se os personagens, mesmo experientes no contexto da obra, não soubessem nada do que estavam fazendo na hora invadir um galpão, reagir a um ataque ou não usarem luvas para deixar impressões digitais. Esses detalhes, mesmo passando despercebidos pela maioria, infelizmente devem ser pontuados, pois desde o primeiro ao último momento, o sentido explorado pela produção é exatamente a sua abordagem diferenciada de um BL com um plot de ação.

Por outro lado, no ponto de vista da diretora Anucha Boonyawatana, Not Me conta com algumas representações de cenário e montagem extremamente cuidadosos. Bangcoc, por exemplo, é vista de um ângulo que contribui perfeitamente para o plano de fundo em que o drama se baseia. A cidade é explorada muito bem, principalmente através da fotografia, que conta com um excelente tratamento, ou pelos cortes, que sempre posicionam os atores em primeira perspectiva, e aos fundos, os prédios e os arranha-céus. As gravações externas são de longe os melhores momentos entre todos, seja os passeios de moto ou as manifestações que causam arrepios, como na cena onde os atores se veem cobertos pela bandeira do orgulho LGBT+.

Temáticas inclusivas

Falando em orgulho LGBT, as temáticas de Not Me são bem mais estruturadas que a sua narrativa principal. Todos os debates levantados acabam fazendo sentido. Podemos perceber que não há nada sendo encaixado na história apenas para trazer uma contribuição externa. A corrupção, o abuso de poder e o preconceito são coisas que contribuem para o enredo e, principalmente, para a exposição de problemas sociais que tanto ocupam espaço na vida dos personagens, que são, a todo momento, movidos pela sede de mudança.

Quanto aos personagens, é impossível não destacar a atuação de Gun Atthaphan e Off Jumpol, que mesmo partindo de exageros, ainda assim conseguem entregar uma performance digna de cinema. Embora muitas vezes, o personagem de Gun fique preso em um loop de expressões repetitivas, de modo que o ator não conseguisse trazer outros elementos para diferenciar o Black do White, já que ele precisa interpretar os dois, muitas vezes, em cenas conjuntas. Já em relação aos personagens principais, Off e Gun, parceiros de longa data, não surpreendem em nada. Diferente de First Kanaphan e Fluke Gawin, que juntos, completam o melhor shipp do BL nos papeis de Yok e Dan. É muito comum que o casal secundário chame mais atenção em alguns dramas, mas nesse caso eles vão além disso e se consagram a partir de uma história cheia de altos e baixos, com traição e arrependimento, além da profundidade que não vemos no relacionamento principal, por exemplo.

Not Me Poster
Imagem Divulgação

Com quatorze episódios, Not Me acaba tendo um desenvolvimento bem arrastado. Mas, felizmente, os melhores momentos servem de borracha para apagar todos os erros cometidos ao longo da série. Das temáticas insurgentes até a abordagem inovadora de questões sociais, tudo aqui parece render bons frutos. Os visuais são ótimos, o elenco surpreende e a produção é recheada de coisas boas. Sem sombra de dúvidas, um dos melhores e mais importantes BLs dos últimos anos.

REVIEW
Not Me
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Matheus José
Graduando em Letras, 22 anos. Crítico e redator, já passou por publicações nos sites Jornal 140/ VIUU, Suco de Mangá e BoysLove Hub.
not-me-reviewQuando seu irmão gêmeo Black é violentamente atacado e posteriormente deixado hospitalizado, White é incapaz de suportar o mal feito a seu irmão em silêncio. Sabendo pela boca de seu irmão que foi um dos amigos mais próximos de Black que o traiu, White se disfarça de Black para erradicar o traidor. Foi Sean que é tão calmo, sério e difícil de interpretar? Gram alegre e amigável? Ou pode ter sido o Yok de sangue quente que gosta de lutar? Baseado na novel de Dem Thanutnun.