O terceiro livro da série e último lançado até o momento, Mangás, Animes e a Psicologia 3 dá continuidade às análises de animes e mangás. Recém saído do forno, publicado em 2021 pela Editora Ludens, o livro conta com 13 capítulos explorando aspectos principalmente psicológicos das obras orientais.

Segue abaixo as reflexões propostas no volume:

  • Moral e Ética em Crime e Castigo, de Osamu Tezuka
  • Ghost in the Shell: Identidade e memória
  • Jogadores compulsivos: uma visão analítica sobre Kakegurui
  • A espada e o que ela conta: histórias de Kenshin e Kaoru
  • Imaginário e mito nos animes: reflexões sobre a imagem da espada japonesa em Rurouni Kenshin
  • Sombra, persona e complexo do bode expiatório: análise do protagonista Shoya Ishida
  • Puella Magi Madoka Magica: recapitulação junguiana
  • O luto em Tengen Toppa Gurren Lagann
  • Meu amigo Totoro: um convite ao estudo da psique infantil
  • Aspectos da feminilidade e heteronormatividade em romances yaoi
  • Yuri!!! On Ice
  • Alquimia e transformação em Fullmetal Alchemist: a exploração das potencialidades humanas no personagem Van Hohenheim
  • O desenvolvimento dos irmãos Elric e a integração da sombra

Assim como no segundo volume, o terceiro foi organizado por Ivelise Fortim e Cristiana Rohrs Lembo. Além delas, 16 autores desenvolveram as análises e interpretações das obras selecionadas. Confira a equipe que deu vida ao livro:

  • Ivelise Fortim
  • Cristiana Rohrs Lembo
  • Amanda Rolim
  • Ana Bárbara N. Mello
  • Anne Aguemi
  • Antonio Carlos dos Santos Gomes
  • Jefferson Luiz Pereira
  • Julia Motta Vale
  • Julio Cesar Santos Araujo
  • Louise de França Monteiro
  • Luiz Ojima Sakuda
  • Luna Pereira Gimenez
  • Marcos Daniel Grassmann Polcino
  • Maria Cristina Moraes Rosa Petroucic
  • Maria Julia Bengel
  • Rafael Augusto Montassier
  • Roxane Pirro
  • Victor Sancassani

Assim como na apresentação de seus dois antecessores, vamos explorar um pouquinho dos pontos que mais me chamaram a atenção.

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Foto: Suco de Mangá

“A espada é a alma do guerreiro”

Dos três volumes de Mangás, Animes e a Psicologia, este foi o que eu senti menos afinidade por ter mais obras que eu nunca assisti, ou realmente não conhecia. De qualquer forma, tentei não deixar que isso influenciasse no meu julgamento, procurando focar na qualidade das reflexões do/a autor/a.

Além disso, diferente dos outros dois volumes, este iniciou com uma bela homenagem à pesquisadora Sonia Luyten, que teve fortes influências no cenário das HQs, animes e mangás no Brasil. Achei que foi também uma ótima oportunidade de apresentar a Sonia para a comunidade otaku. Particularmente falando, eu não a conhecia e nem sabia que os estudos sobre assuntos geeks e otakus eram tão intensos aqui no Brasil, então foi esclarecedor e gratificante ter mais informações sobre o assunto.

Bom, a respeito dos animes e mangás analisados, primeiro gostaria de falar sobre “A imagem da espada japonesa em Rurouni Kenshin”. Este capítulo foi o primeiro do livro que realmente fisgou minha atenção, me deixou com gostinho de quero mais.

O autor Rafael aborda uma visão histórica e até mesmo geográfica sobre as tão conhecidas katanas, escrevendo de forma fluida que torna a leitura estimulante e gostosa de ler. Ele explica desde a confecção com os primeiros materiais, até seu formato, se adequando com o estilo de corpo japonês.

Em seguida, traz um breve resumo do enredo de Samurai X e passa a explicar alguns simbolismos que existem em Kenshin e sua katana. De qualquer forma, a parte que mais me impactou no capítulo foi perto do final, quando o autor escreve que, assim como uma espada, o próprio Kenshin foi forjado pelo fogo.

Este capítulo é um ótimo complemento para o seu anterior, que aborda os possíveis significados das espadas de Kenshin e Kaoru. Fiquei encantada com o modo que a autora relacionou a katana de Kaoru, feita de bambu, com a personalidade da personagem. A espada dela não passou pelo processo de forja, portanto não possui elementos de “sofrimento” (em grande contraste com a katana de Kenshin). Em contrapartida, sua katana possui elementos de defesa, cuidado, flexibilidade. Ainda, assim como o bambu que compõe a arma, Kaoru tem raízes fortes, cresceu sobre uma base sólida e fértil.

Dou meus parabéns aos dois autores desses capítulos, pois além de explorarem uma análise inédita, o fizeram muito bem.

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Foto: Suco de Mangá

A importância do Boys Love para as mulheres

Assim como no primeiro livro, Animes, Mangás e a Psicologia 3 traz uma visão mais profunda sobre o gênero yaoi. O capítulo que aborda esse tema só não é perfeito porque acaba.

As autoras analisaram o gênero do ponto de vista das mulheres japonesas e do contexto em que elas estão inseridas – e sejamos sinceras, não é preciso ser japonesa para nos identificarmos com algumas situações.

O texto esclarece toda a história do yaoi, conta que desde a sua origem ele é importante para dar voz e lugar às mulheres. O objetivo dos Boys Love não é retratar um relacionamento homossexual ao pé da letra, afinal a maioria dos mangás do gênero são escritos por mulheres. No entanto, eles são usados como uma forma de expressão e protesto contra o machismo e a heteronormatividade que somos sujeitas dia após dia.

O gênero Boys Love surgiu como uma sátira dos mangás escritos por homens (na época eram todos, pois não existiam mulheres mangakás). As autoras utilizavam esses personagens já existentes e criavam doujinshis homoafetivos com eles. Ou seja, o yaoi foi o primeiro gênero de mangás escrito e publicado por mulheres. Assim, essas publicações amadoras foram amadurecendo e ganhando forma, até deixar de serem sátiras e se torem um gênero reconhecido.

Ainda, por ser um estilo escrito por e para mulheres, há grande espaço para representar situações e criar projeções da realidade vivida por elas. Quem já consumiu obras desse gênero está familiarizado com os termos “uke” e “seme”, caracterizando o “passivo” e o “ativo” da relação. Claro que são termos engessados e irreais, no entanto servem para que as mulheres se coloquem em um ou outro papel. Para que se reconheçam naquelas situações, tão comuns na sociedade conservadora e machista japonesa.

As autoras desse capítulo não deixam de lembrar como são problemáticas algumas relações do mundo dos yaoi, como por exemplo a fixação pela romantização do estupro e a constante representação negativa das personagens femininas. Contudo, elas também explicam que essa pode ser uma forma das mulheres externalizarem algo que sofrem constantemente, como os abusos, além da rivalidade feminina que nos é ensinada desde que nascemos.

Enfim, como fujoshi e feminista poderia passar um bom tempo discorrendo sobre o assunto, então vou poupar palavras para que você mesmo confira esse incrível capítulo do livro. Apenas gostaria de acrescentar que o capítulo seguinte é sobre o anime Yuri!!! On Ice, que discute sobre a representatividade, sexualidade e o amor presentes no anime. Resumindo, é um prato cheio para nós, amantes de Boy Love.

Considerações Finais

Bom, mesmo que eu tenha achado o terceiro volume o mais morno de todos, não tiro o crédito e a qualidade que ele possui. É feita uma boa análise dos jogadores compulsivos a partir de Kakegurui, não romantizando a situação, mas tratando como um problema real. Há também dois capítulos analisando alguns personagens de FullMetal Alchemist: Brotherhood, o que vamos e convenhamos, apenas por ser uma análise desse anime incrível já vale a pena ler.

Por fim, espero que as organizadoras Ivelise e Cristiana não parem por aqui e nos presenteiem com um Mangás, Anime e a Psicologia 4.

E pra você, caro companheiro otaku e apaixonado por simbolismos, teorias e análises, te indico essa leitura que vai fazer você mergulhar nas águas profundas e misteriosas dos animes.

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Foto: Suco de Mangá